sexta-feira, 8 de abril de 2011

A psicose e a notícia fácil

É impressionante como a mídia brasileira, de forma geral, age de forma prática esticando seu dedinho e apontando causas e motivações para crimes às pressas apenas com a finalidade de garantir a liderança de sua marca no IBOPE. Nessa ânsia por estar à frente da concorrência, jornais, revistas, rádios e emissoras de TV juntam meia dúzia de informações e pintam o quadro que lhes for mais conveniente ou que pareça mais atrativo à massa sem medir conseqüências. Não está sendo diferente no caso da chacina de Realengo ao se analisar os aspectos e motivações que culminaram nas mortes das crianças e no suicídio de Wellington.

Sou jogador de videogame e RPG. RPG (role-playing game - "jogo de interpretar um papel") é um jogo "de tabuleiro" em que pessoas de várias idades se reúnem para viver na fantasia personagens que em grupo ajudam a libertar princesas e vencer dragões, feiticeiros e monstros. Geralmente joga-se com um contador de história e com mais de dois participantes. O contador cria um cenário fictício e os jogadores têm de se imaginar interagindo com os elementos deste cenário. Cada personagem possui limitações e poderes especiais que os auxiliam ou atrapalham a alcançar o objetivo. Tanto o contador de história como os jogadores podem ter idades variando de 6 a 80 anos (sou testemunha de mais de um jogo em que crianças inventavam ambientes com muita riqueza de detalhes e de avós jogando e netos contando as histórias). Este tipo de jogo, admirado por educadores e pedagogos e jogado em todo o mundo, mas pouco conhecido pelo público em geral, já foi execrado por mais de uma vez pela imprensa brasileira por pura conveniência e falta de informações.

Em determinados crimes ocorridos recentemente no Brasil , jornais e emissoras de rádio e TV agiram de forma bastante prática ao associar crimes ao RPG. Como o jogo não é de conhecimento da população, foi fácil para a mídia criar uma aura negativa em torno de um entretenimento sadio e educativo. Foi dito que os livros (que são guias didáticos com pontuação de poderes e fraquezas para personagens como elfos, ogros, humanos, dragões, etc.) continham ensinamentos de magia negra e outras bobagens do tipo. E a população "comprou" às cegas a informação vomitada pela mídia.

O resultado destas práticas midiáticas são a desinformação e a perseguição ao RPG: jogadores passam a ser discriminados e vistos como potenciais criminosos pela população. Pais desinformados e instituições de ensino rígidas proíbem crianças e adolescentes de se divertir com os jogos. Perde a sociedade que deixa de ter acesso a uma ferramenta de estímulo a imaginação e auxílio escolar tão importante quanto o livro e perdem as crianças e adolescentes que ficam órfãos de um entretenimento que estimula o convívio social, a imaginação e que são extremamente divertidos.

A mesma relação causa/conseqüência já se aplicou ao videogame: crianças que brincam de jogos de tiro ou de luta tornam-se pessoas violentas no dia-a-dia e cometem crimes. Essa afirmação infundada e cômoda para a mídia faz efeito principalmente em pais com pouco estudo, em religiosos cristãos e naqueles que educam os filhos pelo medo (militares, pais rígidos, etc).

Mas qual a relação do RPG com o crime cometido pelo assassino Wellington? NENHUMA. Mas o que critico neste texto é o fato de que chegou a conhecimento do público uma prova concreta de um elemento motivador do crime que não foi mencionado como tal por mídia alguma: a carta deixada por Wellington.

Nessa carta é notória a presença de elementos e linguajar diretamente associados a religiões cristãs. Muitos destes cultos são repletos de "demonstrações" de fé (pessoas em "transe" e aos gritos de "Aleluia", "Glória a Deus") e rituais cênicos em que pessoas se dizem possuídas por demônios ou que doentes voltam a andar ou enxergar. Neste ambiente é difícil diferenciar um "adorador" de um indivíduo com problemas psicológicos. E algumas vezes, faz-se vista grossa a uma possível doença mental de um "irmão" para que se possa usar este indivíduo como cobaia da fé de determinada igreja que compete com as demais para angariar novos devotos a contribuir para a melhoria de vida de seus líderes. Com isto muitos psicóticos e esquizofrênicos deixam de receber atendimento médico e têm sua visão turva da realidade perigosamente e potencialmente estimulada.

Fica aqui minha crítica contra a atitude seletiva das emissoras sobre eventos violentos envolvendo indivíduos com distúrbios mentais: Por que NENHUMA EMISSORA associou o comportamento psicótico de Wellington aos elementos cristãos contidos em sua carta de despedida? Porque não se buscou EM MOMENTO ALGUM procurar informações quanto à religião que o mesmo praticava ou à igreja que ele frequentava? Por que em todas as vezes em que criminosos jogavam RPG a mídia preferiu culpar o jogo pela execução do crime e não problemas psico-sociais do assassino? Por que não agem de forma semelhante com este criminoso e o aspecto religioso presente em sua carta?

Se alguém souber responder, fique à vontade.